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domingo, 22 de setembro de 2013

O CUIDADO MISSIONÁRIO

Entrevista com a Psicóloga Verônica Farias

FONTE: APMT
BY: Emma Castro
A Psicóloga e Missionária Verônica Farias atua na área de Cuidado Missionário desde o ano 2005. Começou a desenvolver seu ministério ao se envolver na área de pesquisa, procurando saber o que estava sendo feito no Brasil em relação ao cuidado missionário. Ela se deparou com uma grande deficiência e muita demanda.
Desde sua conversão, Verônica se envolveu no trabalho de evangelismo, plantação de igreja e treinamento de liderança durante quatorze anos. Hoje se dedica de tempo integral ao ministério de Cuidado Missionário, visitando campos e acompanhando os missionários que requerem sua ajuda.
Ela faz parte do Conselho Deliberativo do CIM – Cuidado Integral do Missionário, departamento da AMTB – Associação de Missões Transculturais Brasileiras. Em 2011, iniciou o Departamento de Cuidado Missionário na Base da APMT e faz parte do quadro de missionários, servindo ao nossos missionários.
APMT: Como foi para escolher esta área de atuação ministerial?
Verônica: Eu não escolhi essa área, eu fui despertada por Deus. A partir das estatísticas de retorno, a partir da realidade de escassez de cuidadores treinados, pessoas que não são apenas psicólogos clínicos. Os profissionais precisam ser treinados para atender os missionários dentro do seu contexto, pois eles passam por várias fases na sua vida. Eu mesma passei por essas fases, desde o preparo, o campo e o retorno. A experiência que vivi e o contato com outros missionários que passam por duras experiências me levaram a me dedicar integralmente a isso. Eu já tinha a formação teológica e profissional da Psicologia Clínica. Creio que é um chamado para o resto da vida. Agora estou treinando outras pessoas fazendo crescer esse grupo de cuidadores no Brasil.
APMT: Em que consiste especificamente o cuidado missionário?
Verônica: O cuidado missionário é bastante abrangente. Primeiro, a Igreja Brasileira, em geral, não está muito acostumada com a ideia de “cuidado”. Às vezes, é interpretado como se fosse só na área clínica, psicológica, quando não é. É bem mais do que isso.O trabalho abrange a família missionária como um todo.Eu tenho o interesse de trabalhar com a família desde o pré-campo, quando a pessoa é ainda um candidato. Se eu já tenho um trabalho com ela, posso ir desenvolvendo um trabalho de acompanhamento no próprio campo.
O processo envolve o pré-campo, o campo e o retorno ao Brasil para férias, reciclagem, divulgação ou licença; os períodos de adaptação ou de crise; o nascimento de filhos que envolve toda uma mudança da conjuntura familiar;remanejamento de campo. Tudo isso envolve mudanças para o missionário que precisa de um suporte. É um acompanhamento de vida ao longo da sua trajetória.
APMT: Qual é a fase em que os missionários manifestam maiores dificuldades.
Verônica: O retorno para o Brasil depois de muitos anos é sempre muito sofrido. Há uma fase para se readaptar, então é uma fase crucial. Deve haver preocupação não apenas em “receber o missionário” e leva-lo a um monte de igrejas para pregar, mas acompanhá-lo eficazmente.
Outro momento crucial é a aposentadoria. No Brasil quase não se fala na aposentadoria de missionários. Não há um planejamento. Vejo que não há ainda nas igrejas nem nas agências o que fazer com o missionário que está se aposentando.Que tipo de cuidado precisamos fornecer para essas pessoas que deram a vida toda em outras nações, outras culturas? Depois de toda uma vida de serviço vamos apenas sucateá-las?
A outra dificuldade é a própria língua. No Brasil se fala o Português. Chegando lá fora, ele no mínimo tem que falar o Inglês (a não ser que vá para o mundo hispânico), depois ele tem que aprender outra ou outras línguas. Isso tem sido um martírio na questão do preparo e adaptação, ele sofre muito nessa fase por conta de aprender novas línguas.
APMT: Pela sua experiência de trabalho, quem tem sofrido mais?
Verônica: De um modo geral, eu tenho visto um sofrimento maior entre as mulheres, a partir do momento que elas têm filhos, a rotina muda. Elas passam a ter menos tempo para a missão que elas desenvolviam, para a qual foram preparadas, então passam a reclamar um pouco da dificuldade de não poder atuar. Essa é uma crise que aparece nas mulheres com muita frequência.
Outra questão que sempre aparece é a situação das solteiras. Elas saem do seu país muito entusiasmadas e sabendo que são sozinhas, no entanto, depois de um tempo no campo, elas começam a perceber que a realidade de uma solteira no campo não é fácil. Ser solteira no Brasil, na sua pátria, na sua cidade é uma coisa, mas fora do Brasil a coisa fica multiplicadamente mais difícil. Então elas reclamam muito de encarar uma vida sozinha. Em países islâmicos, isso fica bem mais grave, porque há toda uma discriminação que elas sofrem, mesmo as casadas estrangeiras.
Fora disso, também temos visto muitas dificuldades no relacionamento com as instituições. A igreja local, ainda que seja uma igreja muito enviadora, ela é local,tem toda uma mentalidade local. Então o sofrimento, a queixa, a necessidade de mudanças no próprio decorrer do projeto muitas vezes não são compreendidos pela igreja local. Em muitos casos isso leva até a suspender o envio do sustento. Esse fator provoca um circuito de muito sofrimento para o missionário e sua família.
APMT: Qual tem sido a causa de maior retorno dos missionários do campo?
Verônica: Dificuldades de relacionamento com a equipe de trabalho têm sido um dos principais motivos do retorno. O brasileiro é extremamente comunicativo e relacional, então quando ele tem que trabalhar com missionários de outras culturas, que a gente chama de “culturas mais frias”,como as europeias, norte-americanas ou asiáticas,existe sempre um choque nessa interculturalidade. O brasileiro não tem muita resistência de permanecer só, ele é muito gregário. Chegando nesses países, a própria cultura transforma isso numa dificuldade para a cultura em que ele está vivendo e com quem ele está trabalhando.
Por mais que se estude isso em “Antropologia cultural” e outras disciplinas, na prática, o brasileiro sai pouco do Brasil. Então ele não tem esse trânsito lá fora a não ser quando ele é um missionário. Então é a primeira vez que ele está indo ao exterior para viver. Em geral, nós não temos a cultura de viagens para o exterior.
APMT: Também existem dificuldades quando a equipe é monocultural?
Verônica: “Relacionamentos”, mesmo quando numa equipe monocultural, entre brasileiros,é uma área que as agências precisam investir um pouco mais de modo geral. Os cursos de preparação devem focar em atividades, em conceitos, em toda uma práxis que envolva o relacionamento em equipe. É com isso que ele vai viver lá fora.
A gente não vê missionários reclamando dos nacionais, da relação com os membros da igreja nacional, ou com a cultura local. Eles reclamam dos seus companheiros de trabalho. Então os choques entre os missionários é o que angustia, que adoece e que muitas vezes faz uma equipe partir-se ao meio.
Creio que essa dificuldade se dá mesmo por falta de preparo.Assim como se prepara teologicamente, missiologicamente, precisamos dar uma ênfase maior em relacionamento de equipe. Eu não vejo outra maneira a não ser transformar isso em oficinas, seminários, e vivência de equipe. Talvez, assim, tivéssemos menos dificuldades lá fora. Também é importante o trabalho de atualização dos missionários. As equipes precisam ser visitadas com o intuito de torná-las saudáveis. Não é uma visita administrativa, para o projeto, é uma visita para diagnosticar como é que aquela equipe está, e ao mesmo tempo oferecer artifícios que dissolvam os conflitos, então aos poucos as pessoas vão amadurecendo no relacionamento em equipe.
É necessário definir a mentalidade de grupo, desde o seminário, desde a disciplina de preparo transcultural, trabalhar a mentalidade do sujeito “para o grupo, para a mutualidade, para a flexibilidade, para apoio mutuo”. Se esses valores são bem trabalhados no período de preparo, o candidato chega ao campo um pouco mais flexível, um pouco mais aberto.
É por isso que a APMT solicita um estágio de campo, mesmo que o candidato já desenvolva o ministério há muitos anos e seja experiente. O que deve ser enfatizado nesse momento é “relacionamento de equipe, como é que essas pessoas estão se relacionando, e fornecer artifícios para que as pessoas promovam mutualidade, não a individualidade”. Ninguém é sozinho lá fora, o missionário transcultural está descoberto de tudo, precisa das pessoas. Se existe problema com a equipe, isso significa que são cortadas as fontes de fornecimento emocional.
APMT: Se o missionário ou uma equipe percebe que está precisando da sua ajuda, o que deve fazer?
Verônica: O missionário em campo, que está precisando de ajuda, tem que escrever para a agência dele. Se essa organização já tem o departamento, vai pedir ao departamento o cuidado desse missionário.Se a organização não tem esse departamento, ela pode entrar em contato com o CIM. A partir de então entraremos em contato com esse missionário. Eu já fiz acompanhamento via Skype de missionários em vários países, missionários brasileiros que estão lá fora.
APMT: Qual seria sua recomendação para as igrejas locais?
Verônica: Eu convocaria a liderança, os pastores e os líderes de missões para buscar literatura na área do cuidado. Entrar em contato com aqueles que já fazem o trabalho do cuidado missionário e começar a treinar as pessoas interessadas em iniciar dentro do departamento de missões da igreja local o viés para o cuidado.

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